Em toda área do comportamento e das relações humanas ocorre um fenômeno bastante interessante que acaba por implicar muitas vezes numa serie de divergências sem que ninguém de fato pare e atente para a necessidade e origem dos conflitos. Boa parte dos conflitos humanos sobrevive em meio a este fenômeno. Podemos constatar com facilidade situações desta natureza em meio as famílias - onde quando pessoas em momentos de lucidez buscam a compreensão para conflitos e acabam notando que de fato não havia qualquer motivo palpável para que a divergência estivesse ocorrendo. Também nas comunidades podemos notar que muito das relações de conflito não tem qualquer razão de ser. De uma forma superficial acabamos por entender que tudo isso ocorre pela incapacidade que temos em alguns momentos de enxergar a realidade e tomar as decisões a partir de parâmetros palpáveis. Muito do que vivemos e decidimos tem origem a partir de suposições e mesmo de uma forma atrasada e parcial de pensar.
Fora isso damos ainda muito valor aos rótulos e aos preconceitos - ambos - altamente capazes de distanciar pessoas e inibir qualquer tipo de cooperação mais sadia. De uma certa maneira e talvez em busca de uma forma mais segura para viver, nos trancamos e limitamos nossos passos dentro de estruturas sociais arcaicas. Exemplo claro disso é a visão básica das relações capital X trabalho, onde na grande maioria dos casos há uma total falta de bom senso que permita a capacidade de analisar cada caso sem nos perdermos na generalização. Passados anos da queda do Muro de Berlim nos vemos ainda diante de outros tantos e mais sutis muros que em comum tem a capacidade de inibir a cooperação em prol do bem e interesses comuns.
Vivemos sim um tempo de muita informação e talvez pela facilidade e abundância de dados tenhamos deixado um pouco de lado o questionamento. Isso é por demais preocupante ! Agindo assim deixamos de construir nossa forma de ver.
Ao longo dos anos tenho sempre me feito uma pergunta: a quem interessa o acidente do trabalho ? Trata-se de uma questionamento que penso deveria ser a base para o desenvolvimento de todo o trabalho prevencionista. Tenho visto que muitos de nos dedicamos a maior parte do nosso tempo as questões pontuais da prevenção - que na verdade são importantes - mas que ao longo do tempo tem demonstrado sua incapacidade de reverter o quadro de insegurança existente em todas as atividades. Penso, que o verdadeiro prevencionista vai mais além e mesmo dedicando parte do sue tempo as questões objetivas da prevenção não perde de vista a necessidade de atuar nos fatores que podemos chamar de subjetivos. Com isso quero dizer que deve haver lugar no entendimento do prevencionista para saber avaliar que muitas vezes uma atividade de mesa terá tanto ou mais valor do que uma atividade de campo, que segurança se faz no chão de fábrica, mas também nos fóruns de decisão e nas mesas de debate, seja no âmbito da empresa onde atua, seja em todas instancias da sociedade.
O que iremos tratar a seguir diz respeito a isso. Vamos falar da necessidade de ampliarmos os horizontes a partir da compreensão mais realista do mundo que no cerca.
OS EMPRESÁRIOS NÃO QUEREM SEGURANÇA ?
Quando recém formado pensava que os empresários não desejavam segurança em suas empresas. Um pouco disso vinha da imaturidade da idade. Por outro lado tinha em mãos e na cabeça a idéia que prevenção de acidentes era cumprir tudo aquilo que havia no livrinho verde….Hoje penso o quanto é importante que os responsáveis pelos cursos de formação dos profissionais de segurança tenham a bondade de aplicar parte do sue tempo a tratarem da realidade, a explicarem que o profissional desta área é mais do que um arauto da legislação.
Com o tempo aprendi que não existe bom ou mal empresário; a questão vai muito além disso e centralizar o tema neste eixo apenas contribui para um debate estéril que quase sempre resulta em portas fechadas e sempre prejudica a evolução real desta área. Por fim, isso tudo acaba por prejudicar o trabalhador. Parece cômodo demais assumirmos a postura de que apenas nós queremos o bem e que os demais são revestidos de uma camada de indiferença com relação ao destino dos trabalhadores. Tal forma de pensar serve muito bem a ruptura e a partir deste a constante justificativa de que nada muda porque uma das partes não deseja mudar. Parece que assim podemos esquecer que quase todo processo social ocorre da mesma forma, que as divergências na forma de ver não são um privilegio da nossa área de atuação.
Quem são os empresários desta terra ? É importante entendermos algumas coisas sobre isso para dai em diante buscarmos conclusões mais sólidas. Importante lembrar que a grande maioria das empresas brasileiras é de pequeno e médio porte, sendo boa parte delas dirigida por pessoas que um dia foram empregadas em empresas maiores. Neste ponto surge então um questionamento interessante: Ora, se afirmamos por todo o tempo que a base do problema de ausência de segurança em nosso pais vem da falta da de cultura prevencionista dos empregados - onde encontramos argumentos para supor que estas pessoas - no momento empresários - tenham em si algum tipo de cultura prevencionista ? Por qual razão podemos diferenciar um grupo do outro ? Sim, podem alguns dizer que são pessoas com um grau de cultura mais elevado, com qualificações e formação - trata-se de um belo argumento e valido seria se nossas escolas em todos os graus disponíveis tivessem qualquer tipo de preocupação mais consistente com o tema.
É importante ter em mente que o empresário brasileiro - não por sua opção e escolha - mas pela realidade cultural que nos cerca - tem a mesma prevencionista do empregado brasileiro. E o mesmo ocorre com a grande maioria de prepostos das empresas - gente mal formada para o assunto.
Passei a entender a isso ao longo dos anos de atuação. Não quero dizer aqui que todas as pessoas que encontrei pelo caminho foram sensíveis aos argumentos prevencionistas, mas posso afirmar com certeza que a grande maioria mudou diante de argumentos consistentes. O que vi por todo o tempo eram pessoas que não entendiam a prevenção e suas importância até mesmo para a continuidade do seu negócio. Certa vez - fazendo uma palestra num dos Clubes de Serviço, falei durante duas horas para uma platéia composta de empresários e profissionais liberais; ao final fiquei espantado com as duvidas apresentadas - ficava ali claro o quanto de ignorância sobre o tema imperava mesmo em uma platéia de pessoas tidas como esclarecidas.
Nesta relação - prevenção x empresários, ocorre muito de supormos que as partes entendem o bastante do assunto para tomarem decisões corretas: Isso é uma grande inverdade. Para a maioria dos empresários segurança e saúde no trabalho não querem dizer mais do que leis a serem cumpridas, num pais onde existem leis as dúzias e que em comum tem uma característica: custos injustificáveis. Para o empresário, segurança e saúde - que na verdade seriam em primeira instancia assunto do seu interesse visto que redundam em produtividade e melhoria do produto e portanto LUCRO - é assunto e reivindicação de trabalhador e sindicato - e assim são tratados como trata-se salário, plano medico, horas extras, etc.
Qual empresário ou administrador que em tempos atuais deseja ter empregados afastados ? A quem - na direção das empresas pode interessar um número alto de dias perdidos devido a acidentes ? Qual investidor está interessado em ter a imagem de sua empresa ou produto machados na mídia pela ocorrência de um acidente que seja ? De fato, não há nisso qualquer lógica e apenas mesmo a ignorância justificativa a forma de relação atual.
Antes de mais nada - na busca de uma caminho que leve a um lugar distante de tudo que relatamos acima - é preciso que se faça entender que prevenção de acidentes é parte do negocio - e que parte ! No mundo de hoje, quando os responsáveis por áreas e divisões de empresas sentam em reuniões não há muito fugir das planilhas de custo de cada atividade e boa parte das decisões levam em conta tais dados. Vejam o exemplo da qualidade, onde uns grandes motivadores para toda a revolução que esta área sofreu era a eliminação dos custos pela falta da mesma. E o que mostra a Segurança do trabalho nestes momentos ? Invariavelmente uma seqüência de gráficos e números que pouco dizem respeito ao mundo da administração formal. Nota-se pelo exemplo que falta-nos na verdade linguagem empresarial.
Ao mesmo tempo alguns argumentam que é difícil avaliar a prevenção em si. Ora, se não sabemos mostrar o quanto vale o que fazemos, certamente não teremos mesmo reconhecimento algum - e perde com isso a segurança do trabalho como um todo - perde pela ineficiência que muitos de nos temos em mostrarmos em forma inteligível aquilo que fazemos.
Portanto, creio que na busca das causas básicas sobre o assunto há necessidade de uma maior compreensão sobre os atores envolvidos neste processo. É - dentro da lógica - impossível que qualquer pessoa que se proponha a atividade comercial não tenha interesse na prevenção de acidentes. Esta é uma verdade, mesmo que tomemos como base apenas o mais selvagem capitalismo
OS PREVENCIONISTAS NÃO QUEREM SEGURANÇA ?
Aprendi ao longo dos anos - com certeza a duras penas - a fazer algo que muito me auxiliou na compreensão desta relação. Não esperem nada complexo demais - acho mesmo que coisas complexas não funcionam. O que fiz e faço sempre é me colocar no lugar do outro e acho isso de grande valia em nossa área. Tente uma vez por outra colocar-se no lugar do seu cliente, seja ela o dono da empresa, seja ele um gerente ou preposto qualquer. Pense se aquilo que você fornece tem algum utilidade ou agrega algum valor. Seja sincero. Não vejo outra forma melhor do que agir assim para entendermos os nossos próprios erros e melhorarmos nossa forma de atuação.
E importante também entender neste momento a diferença entre cumprir legislação e fazer prevenção. O que em alguns momentos da vida pode ser sinônimo, nem sempre é sinônimo. Com isso desejo dizer que segurança do trabalho não é apenas cumprir legislação, mas muito antes disso e também depois - a arte de aplicar conhecimentos capazes de minimizar e eliminar riscos. Me causa muita tristeza ver ainda que a atuação de muitos SESMT que vivem apenas entre o pode e o não pode. Tal postura origina-se numa área regulamentada, onde certamente cabia muito bem a figura do Inspetor de Segurança - atribuição terceirizada pelo Estado em dado momento da história do país. Distante disso - longe do modelo equivocado do empregado que vigia o patrão e que jamais daria certo em qualquer lugar do mundo - deve surgir e permanecer a figura efetiva do Técnico em prevenção - que como tal não deve apenas limitar-se ao sim ou ao não, mas contribuir para a viabilização segura das necessidades da empresas.
Vejamos então as situações cotidianas: Hipoteticamente sentam-se em uma mesa pessoas das diversas áreas que compõem uma empresa. Há necessidade, para sobrevivência do negocio - que mantém viva toda a estrutura - a realização de uma atividade em caráter excepcional. Do homem de produção ouve-se lamurias, dificuldades, mas ao final um plano de trabalho para atender as necessidades das empresas. Do representante da qualidade ouve-se quase a mesma coisa. Por fim surge um homem da segurança do trabalho que simplesmente informa que o trabalho é inviável devido a um fator qualquer; COLOQUE-SE no lugar das pessoas ! Falta sempre - nesta figura como já disse acima indefinida entre o Inspetor e O Técnico, o bom senso de entender que seu salário é pago para o desenvolvimento de soluções e não de impedimentos. O que acaba por ocorrer e que a atividade acaba sendo realizada - muitas vezes na pior das condições, quando na verdade poderia ter os riscos minimizados pela ação adequada da área especializada que furtou-se de agir resguardando-se na forma de arauto da lei. Muito provável que em outras oportunidades a cadeira da segurança do trabalho naquela mesa esteja vazia e que ai sim as decisões desconheçam totalmente o parecer desta área.
Olhando assim, parece mesmo que os prevencionistas não querem segurança. De minha parte entendo que os prevencionistas não sabem bem o que é segurança e tudo isso ocorre apenas devido a esta falha.
Precisamos buscar conhecimento e informação em quantidade suficiente para oferecermos soluções e não apenas negativas. Sim, as negativas fazem parte do caminho, mas devem ser a exceção e não a regra. Não seremos jamais respeitados enquanto não assumirmos o entendimento da aplicação do conhecimento para gerenciar o risco. Qualquer salário é muito alto para alguém simplesmente dizer sim ou não.
Há um grande equivoco nisso tudo. Há necessidade - se queremos de fato segurança - de mudarmos a postura e entendimento que muitos de nos temos e que conduziu nossa área ao isolamento dentro das estruturas. Precisamos entender que somos pagos para aplicar conhecimento - do qual a lei faz parte mas não é tudo. Precisamos de vez por toda entender que nosso papel é possibilitar a realização das atividades dentro do maior grau possível de aplicação de técnicas prevencionistas e jamais ficarmos apenas na confortável (???) postura da inviabilização.
Se de fato queremos segurança, então sejamos especialistas em segurança, façamos de tal forma que os demais especialistas em outras atividades tenham satisfação e ganhem algo a nos ouvirem. Com certeza não é o que ocorre hoje na maioria das empresas.
Há mil formas de se realizar o mesmo trabalho de forma segura, uma delas certamente está no livrinho de normas, as demais com certeza serão aquelas que farão de você um profissional valorizado e chamado ao debate. Colocando-se no lugar do outro mais uma vez - responda quem você contrataria e teria entre seus empregados: alguém que apenas diz não ou alguém que lhe propicia soluções ?
Em suma, se nos prevencionistas queremos segurança é bom que tenhamos em mente e com clareza o modelo de uma empresa e suas necessidades e busquemos - principalmente pelo estudo - ter em mãos informação suficiente para nos mantermos licitamente na estrutura.
O GOVERNO NÃO QUER SEGURANÇA ?
Uma das piores coisas que um povo pode ter é o desejo da eterna tutela. Estranhamente desejamos ao mesmo tempo a liberdade e a vigilância. Assim muitas vezes atribuímos ao Estado uma série de coisas que na verdade dentro uma sociedade moderna não dizem respeito a este.
A história da prevenção de acidentes brasileira passa pelo forte marco da intervenção do Estado quando da publicação da Portaria 3214. Difícil saber - pela ausência no momento em que o fato ocorreu - se naquele tempo era mesmo de fato o melhor caminho. Fácil de entender - na atualidade - que sem os SESMT e as CIPA teríamos matado um inúmero incalculável de pessoas nos últimos anos.
Obviamente ao Governo os acidentes não interessam. Seria irreal dizer que o governo não se interessa por segurança, porque a fragilidade com que trata quase todos os assuntos de interesse da sociedade demonstra não tratar-se de um privilegio desta ou daquela área.
A reflexão também neste caso deve ser mais profunda e diz respeito a um circulo vicioso onde o trabalhador e o empresário - que elegem e formam os governos - são também os mesmos atores sociais descritos anteriormente . Ora, como poderíamos esperar resultados diferentes ? O governo retrata a sociedade que o elege.
Vale ressaltar ainda neste tópico que a sensibilização das autoridades tem origem quase sempre na pressão social dos segmentos organizados - e que não temos visto isso ocorrer na forma e volume necessários, o que talvez signifique pela mesma falta de cultura para o assunto - que a sociedade esteja satisfeita com a condição atual.
AFINAL, QUE SEGURANÇA QUEREMOS ?
Certa vez li uma estória que falava da pessoa que desejava ser o maior lutador de artes marciais do mundo e para tanto dirigiu-se a um grande mestre no assunto e perguntou ao mesmo: - Mestre, quero ser o maior lutador do mundo. Treinando 8 horas por dia, quantos levarei para chegar ao meu objetivo. E o mestre respondeu - 20 anos ! Preocupado com o tempo, refez a pergunta dizendo: - Mestre, então treinarei 16 horas por dia, quanto tempo levarei ? Respondeu então o mestre: - 30 anos meu filho ! Assustado e com o desejo de abreviar seu aprendizado, disse então que treinaria 24 horas e indagou ao mestre quanto tempo levaria. Serenamente o mestre respondeu que levaria 40 anos. Sem entender bem, perguntou então ao mestre o porque de quanto mais ele aumentava o tempo de dedicação aumentava o tempo para aprender a arte marcial. Com toda tranqüilidade, o Mestre respondeu: - Quando temos os olhos voltados apenas para onde queremos ir, esquecemos de olhar o caminho onde pisamos e assim, demora mais tempo.
Com esta estória desejo dizer que talvez aquilo que pensamos ser bom para a prevenção de acidentes, talvez não seja apenas mais do que o nosso entendimento ou não tenha lugar neste momento da história. Se o que fizemos nos últimos anos foi o suficiente para melhorarmos em muito a condição da segurança ocupacional com certeza não foi o bastante para criar de fato a prevenção de acidentes. Parece-me importante entendermos que se não deixarmos de lado o modelo da prevenção emergencial - importante e essencial em determinada fase tanto que foi objeto de intervenção governamental - estaremos comprometendo o futuro da prevenção de acidentes.
È essencial a revisão de valores. Em segurança do Trabalho não há aliados e inimigos - há sim uma imensa falta de esclarecimento. E tal esclarecimento cabe-nos como um papel bem definido para o profissional deste século. Cumpre-nos levar a sociedade de forma geral a conscientização sobre a questão, buscando assim que o tema seja objeto do interesse social e por conseqüência preencha todas as lacunas ora existentes, seja pela falta de conhecimento das pessoas que decidem, seja na atuação do dia a dia junto ao chão de fábrica. Mais especificamente, cumpre-nos a busca pelo conhecimento e sua aplicação de tal forma a viabilizar a prevenção de acidentes como realmente um dos pilares da atividade econômica.
Penso, que todos querem segurança, poucos sabem o que ela é, alguns entendem o que ela de fato significa e quase ninguém sabe como de fato concretiza-la.
Cosmo Palasio de Moraes Jr.
Cpalasio@uol.com.br
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Fora isso damos ainda muito valor aos rótulos e aos preconceitos - ambos - altamente capazes de distanciar pessoas e inibir qualquer tipo de cooperação mais sadia. De uma certa maneira e talvez em busca de uma forma mais segura para viver, nos trancamos e limitamos nossos passos dentro de estruturas sociais arcaicas. Exemplo claro disso é a visão básica das relações capital X trabalho, onde na grande maioria dos casos há uma total falta de bom senso que permita a capacidade de analisar cada caso sem nos perdermos na generalização. Passados anos da queda do Muro de Berlim nos vemos ainda diante de outros tantos e mais sutis muros que em comum tem a capacidade de inibir a cooperação em prol do bem e interesses comuns.
Vivemos sim um tempo de muita informação e talvez pela facilidade e abundância de dados tenhamos deixado um pouco de lado o questionamento. Isso é por demais preocupante ! Agindo assim deixamos de construir nossa forma de ver.
Ao longo dos anos tenho sempre me feito uma pergunta: a quem interessa o acidente do trabalho ? Trata-se de uma questionamento que penso deveria ser a base para o desenvolvimento de todo o trabalho prevencionista. Tenho visto que muitos de nos dedicamos a maior parte do nosso tempo as questões pontuais da prevenção - que na verdade são importantes - mas que ao longo do tempo tem demonstrado sua incapacidade de reverter o quadro de insegurança existente em todas as atividades. Penso, que o verdadeiro prevencionista vai mais além e mesmo dedicando parte do sue tempo as questões objetivas da prevenção não perde de vista a necessidade de atuar nos fatores que podemos chamar de subjetivos. Com isso quero dizer que deve haver lugar no entendimento do prevencionista para saber avaliar que muitas vezes uma atividade de mesa terá tanto ou mais valor do que uma atividade de campo, que segurança se faz no chão de fábrica, mas também nos fóruns de decisão e nas mesas de debate, seja no âmbito da empresa onde atua, seja em todas instancias da sociedade.
O que iremos tratar a seguir diz respeito a isso. Vamos falar da necessidade de ampliarmos os horizontes a partir da compreensão mais realista do mundo que no cerca.
OS EMPRESÁRIOS NÃO QUEREM SEGURANÇA ?
Quando recém formado pensava que os empresários não desejavam segurança em suas empresas. Um pouco disso vinha da imaturidade da idade. Por outro lado tinha em mãos e na cabeça a idéia que prevenção de acidentes era cumprir tudo aquilo que havia no livrinho verde….Hoje penso o quanto é importante que os responsáveis pelos cursos de formação dos profissionais de segurança tenham a bondade de aplicar parte do sue tempo a tratarem da realidade, a explicarem que o profissional desta área é mais do que um arauto da legislação.
Com o tempo aprendi que não existe bom ou mal empresário; a questão vai muito além disso e centralizar o tema neste eixo apenas contribui para um debate estéril que quase sempre resulta em portas fechadas e sempre prejudica a evolução real desta área. Por fim, isso tudo acaba por prejudicar o trabalhador. Parece cômodo demais assumirmos a postura de que apenas nós queremos o bem e que os demais são revestidos de uma camada de indiferença com relação ao destino dos trabalhadores. Tal forma de pensar serve muito bem a ruptura e a partir deste a constante justificativa de que nada muda porque uma das partes não deseja mudar. Parece que assim podemos esquecer que quase todo processo social ocorre da mesma forma, que as divergências na forma de ver não são um privilegio da nossa área de atuação.
Quem são os empresários desta terra ? É importante entendermos algumas coisas sobre isso para dai em diante buscarmos conclusões mais sólidas. Importante lembrar que a grande maioria das empresas brasileiras é de pequeno e médio porte, sendo boa parte delas dirigida por pessoas que um dia foram empregadas em empresas maiores. Neste ponto surge então um questionamento interessante: Ora, se afirmamos por todo o tempo que a base do problema de ausência de segurança em nosso pais vem da falta da de cultura prevencionista dos empregados - onde encontramos argumentos para supor que estas pessoas - no momento empresários - tenham em si algum tipo de cultura prevencionista ? Por qual razão podemos diferenciar um grupo do outro ? Sim, podem alguns dizer que são pessoas com um grau de cultura mais elevado, com qualificações e formação - trata-se de um belo argumento e valido seria se nossas escolas em todos os graus disponíveis tivessem qualquer tipo de preocupação mais consistente com o tema.
É importante ter em mente que o empresário brasileiro - não por sua opção e escolha - mas pela realidade cultural que nos cerca - tem a mesma prevencionista do empregado brasileiro. E o mesmo ocorre com a grande maioria de prepostos das empresas - gente mal formada para o assunto.
Passei a entender a isso ao longo dos anos de atuação. Não quero dizer aqui que todas as pessoas que encontrei pelo caminho foram sensíveis aos argumentos prevencionistas, mas posso afirmar com certeza que a grande maioria mudou diante de argumentos consistentes. O que vi por todo o tempo eram pessoas que não entendiam a prevenção e suas importância até mesmo para a continuidade do seu negócio. Certa vez - fazendo uma palestra num dos Clubes de Serviço, falei durante duas horas para uma platéia composta de empresários e profissionais liberais; ao final fiquei espantado com as duvidas apresentadas - ficava ali claro o quanto de ignorância sobre o tema imperava mesmo em uma platéia de pessoas tidas como esclarecidas.
Nesta relação - prevenção x empresários, ocorre muito de supormos que as partes entendem o bastante do assunto para tomarem decisões corretas: Isso é uma grande inverdade. Para a maioria dos empresários segurança e saúde no trabalho não querem dizer mais do que leis a serem cumpridas, num pais onde existem leis as dúzias e que em comum tem uma característica: custos injustificáveis. Para o empresário, segurança e saúde - que na verdade seriam em primeira instancia assunto do seu interesse visto que redundam em produtividade e melhoria do produto e portanto LUCRO - é assunto e reivindicação de trabalhador e sindicato - e assim são tratados como trata-se salário, plano medico, horas extras, etc.
Qual empresário ou administrador que em tempos atuais deseja ter empregados afastados ? A quem - na direção das empresas pode interessar um número alto de dias perdidos devido a acidentes ? Qual investidor está interessado em ter a imagem de sua empresa ou produto machados na mídia pela ocorrência de um acidente que seja ? De fato, não há nisso qualquer lógica e apenas mesmo a ignorância justificativa a forma de relação atual.
Antes de mais nada - na busca de uma caminho que leve a um lugar distante de tudo que relatamos acima - é preciso que se faça entender que prevenção de acidentes é parte do negocio - e que parte ! No mundo de hoje, quando os responsáveis por áreas e divisões de empresas sentam em reuniões não há muito fugir das planilhas de custo de cada atividade e boa parte das decisões levam em conta tais dados. Vejam o exemplo da qualidade, onde uns grandes motivadores para toda a revolução que esta área sofreu era a eliminação dos custos pela falta da mesma. E o que mostra a Segurança do trabalho nestes momentos ? Invariavelmente uma seqüência de gráficos e números que pouco dizem respeito ao mundo da administração formal. Nota-se pelo exemplo que falta-nos na verdade linguagem empresarial.
Ao mesmo tempo alguns argumentam que é difícil avaliar a prevenção em si. Ora, se não sabemos mostrar o quanto vale o que fazemos, certamente não teremos mesmo reconhecimento algum - e perde com isso a segurança do trabalho como um todo - perde pela ineficiência que muitos de nos temos em mostrarmos em forma inteligível aquilo que fazemos.
Portanto, creio que na busca das causas básicas sobre o assunto há necessidade de uma maior compreensão sobre os atores envolvidos neste processo. É - dentro da lógica - impossível que qualquer pessoa que se proponha a atividade comercial não tenha interesse na prevenção de acidentes. Esta é uma verdade, mesmo que tomemos como base apenas o mais selvagem capitalismo
OS PREVENCIONISTAS NÃO QUEREM SEGURANÇA ?
Aprendi ao longo dos anos - com certeza a duras penas - a fazer algo que muito me auxiliou na compreensão desta relação. Não esperem nada complexo demais - acho mesmo que coisas complexas não funcionam. O que fiz e faço sempre é me colocar no lugar do outro e acho isso de grande valia em nossa área. Tente uma vez por outra colocar-se no lugar do seu cliente, seja ela o dono da empresa, seja ele um gerente ou preposto qualquer. Pense se aquilo que você fornece tem algum utilidade ou agrega algum valor. Seja sincero. Não vejo outra forma melhor do que agir assim para entendermos os nossos próprios erros e melhorarmos nossa forma de atuação.
E importante também entender neste momento a diferença entre cumprir legislação e fazer prevenção. O que em alguns momentos da vida pode ser sinônimo, nem sempre é sinônimo. Com isso desejo dizer que segurança do trabalho não é apenas cumprir legislação, mas muito antes disso e também depois - a arte de aplicar conhecimentos capazes de minimizar e eliminar riscos. Me causa muita tristeza ver ainda que a atuação de muitos SESMT que vivem apenas entre o pode e o não pode. Tal postura origina-se numa área regulamentada, onde certamente cabia muito bem a figura do Inspetor de Segurança - atribuição terceirizada pelo Estado em dado momento da história do país. Distante disso - longe do modelo equivocado do empregado que vigia o patrão e que jamais daria certo em qualquer lugar do mundo - deve surgir e permanecer a figura efetiva do Técnico em prevenção - que como tal não deve apenas limitar-se ao sim ou ao não, mas contribuir para a viabilização segura das necessidades da empresas.
Vejamos então as situações cotidianas: Hipoteticamente sentam-se em uma mesa pessoas das diversas áreas que compõem uma empresa. Há necessidade, para sobrevivência do negocio - que mantém viva toda a estrutura - a realização de uma atividade em caráter excepcional. Do homem de produção ouve-se lamurias, dificuldades, mas ao final um plano de trabalho para atender as necessidades das empresas. Do representante da qualidade ouve-se quase a mesma coisa. Por fim surge um homem da segurança do trabalho que simplesmente informa que o trabalho é inviável devido a um fator qualquer; COLOQUE-SE no lugar das pessoas ! Falta sempre - nesta figura como já disse acima indefinida entre o Inspetor e O Técnico, o bom senso de entender que seu salário é pago para o desenvolvimento de soluções e não de impedimentos. O que acaba por ocorrer e que a atividade acaba sendo realizada - muitas vezes na pior das condições, quando na verdade poderia ter os riscos minimizados pela ação adequada da área especializada que furtou-se de agir resguardando-se na forma de arauto da lei. Muito provável que em outras oportunidades a cadeira da segurança do trabalho naquela mesa esteja vazia e que ai sim as decisões desconheçam totalmente o parecer desta área.
Olhando assim, parece mesmo que os prevencionistas não querem segurança. De minha parte entendo que os prevencionistas não sabem bem o que é segurança e tudo isso ocorre apenas devido a esta falha.
Precisamos buscar conhecimento e informação em quantidade suficiente para oferecermos soluções e não apenas negativas. Sim, as negativas fazem parte do caminho, mas devem ser a exceção e não a regra. Não seremos jamais respeitados enquanto não assumirmos o entendimento da aplicação do conhecimento para gerenciar o risco. Qualquer salário é muito alto para alguém simplesmente dizer sim ou não.
Há um grande equivoco nisso tudo. Há necessidade - se queremos de fato segurança - de mudarmos a postura e entendimento que muitos de nos temos e que conduziu nossa área ao isolamento dentro das estruturas. Precisamos entender que somos pagos para aplicar conhecimento - do qual a lei faz parte mas não é tudo. Precisamos de vez por toda entender que nosso papel é possibilitar a realização das atividades dentro do maior grau possível de aplicação de técnicas prevencionistas e jamais ficarmos apenas na confortável (???) postura da inviabilização.
Se de fato queremos segurança, então sejamos especialistas em segurança, façamos de tal forma que os demais especialistas em outras atividades tenham satisfação e ganhem algo a nos ouvirem. Com certeza não é o que ocorre hoje na maioria das empresas.
Há mil formas de se realizar o mesmo trabalho de forma segura, uma delas certamente está no livrinho de normas, as demais com certeza serão aquelas que farão de você um profissional valorizado e chamado ao debate. Colocando-se no lugar do outro mais uma vez - responda quem você contrataria e teria entre seus empregados: alguém que apenas diz não ou alguém que lhe propicia soluções ?
Em suma, se nos prevencionistas queremos segurança é bom que tenhamos em mente e com clareza o modelo de uma empresa e suas necessidades e busquemos - principalmente pelo estudo - ter em mãos informação suficiente para nos mantermos licitamente na estrutura.
O GOVERNO NÃO QUER SEGURANÇA ?
Uma das piores coisas que um povo pode ter é o desejo da eterna tutela. Estranhamente desejamos ao mesmo tempo a liberdade e a vigilância. Assim muitas vezes atribuímos ao Estado uma série de coisas que na verdade dentro uma sociedade moderna não dizem respeito a este.
A história da prevenção de acidentes brasileira passa pelo forte marco da intervenção do Estado quando da publicação da Portaria 3214. Difícil saber - pela ausência no momento em que o fato ocorreu - se naquele tempo era mesmo de fato o melhor caminho. Fácil de entender - na atualidade - que sem os SESMT e as CIPA teríamos matado um inúmero incalculável de pessoas nos últimos anos.
Obviamente ao Governo os acidentes não interessam. Seria irreal dizer que o governo não se interessa por segurança, porque a fragilidade com que trata quase todos os assuntos de interesse da sociedade demonstra não tratar-se de um privilegio desta ou daquela área.
A reflexão também neste caso deve ser mais profunda e diz respeito a um circulo vicioso onde o trabalhador e o empresário - que elegem e formam os governos - são também os mesmos atores sociais descritos anteriormente . Ora, como poderíamos esperar resultados diferentes ? O governo retrata a sociedade que o elege.
Vale ressaltar ainda neste tópico que a sensibilização das autoridades tem origem quase sempre na pressão social dos segmentos organizados - e que não temos visto isso ocorrer na forma e volume necessários, o que talvez signifique pela mesma falta de cultura para o assunto - que a sociedade esteja satisfeita com a condição atual.
AFINAL, QUE SEGURANÇA QUEREMOS ?
Certa vez li uma estória que falava da pessoa que desejava ser o maior lutador de artes marciais do mundo e para tanto dirigiu-se a um grande mestre no assunto e perguntou ao mesmo: - Mestre, quero ser o maior lutador do mundo. Treinando 8 horas por dia, quantos levarei para chegar ao meu objetivo. E o mestre respondeu - 20 anos ! Preocupado com o tempo, refez a pergunta dizendo: - Mestre, então treinarei 16 horas por dia, quanto tempo levarei ? Respondeu então o mestre: - 30 anos meu filho ! Assustado e com o desejo de abreviar seu aprendizado, disse então que treinaria 24 horas e indagou ao mestre quanto tempo levaria. Serenamente o mestre respondeu que levaria 40 anos. Sem entender bem, perguntou então ao mestre o porque de quanto mais ele aumentava o tempo de dedicação aumentava o tempo para aprender a arte marcial. Com toda tranqüilidade, o Mestre respondeu: - Quando temos os olhos voltados apenas para onde queremos ir, esquecemos de olhar o caminho onde pisamos e assim, demora mais tempo.
Com esta estória desejo dizer que talvez aquilo que pensamos ser bom para a prevenção de acidentes, talvez não seja apenas mais do que o nosso entendimento ou não tenha lugar neste momento da história. Se o que fizemos nos últimos anos foi o suficiente para melhorarmos em muito a condição da segurança ocupacional com certeza não foi o bastante para criar de fato a prevenção de acidentes. Parece-me importante entendermos que se não deixarmos de lado o modelo da prevenção emergencial - importante e essencial em determinada fase tanto que foi objeto de intervenção governamental - estaremos comprometendo o futuro da prevenção de acidentes.
È essencial a revisão de valores. Em segurança do Trabalho não há aliados e inimigos - há sim uma imensa falta de esclarecimento. E tal esclarecimento cabe-nos como um papel bem definido para o profissional deste século. Cumpre-nos levar a sociedade de forma geral a conscientização sobre a questão, buscando assim que o tema seja objeto do interesse social e por conseqüência preencha todas as lacunas ora existentes, seja pela falta de conhecimento das pessoas que decidem, seja na atuação do dia a dia junto ao chão de fábrica. Mais especificamente, cumpre-nos a busca pelo conhecimento e sua aplicação de tal forma a viabilizar a prevenção de acidentes como realmente um dos pilares da atividade econômica.
Penso, que todos querem segurança, poucos sabem o que ela é, alguns entendem o que ela de fato significa e quase ninguém sabe como de fato concretiza-la.
Cosmo Palasio de Moraes Jr.
Cpalasio@uol.com.br